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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sobre a "A viúva do Maranhão" e o mito do português bem falado!

Sabemos que a língua não é um fato social homogêneo e que suas peculiaridades não são absolutas. Ao longo dos anos, a língua sofreu (e ainda sofre) processos de mudanças no que tange a fala e a escrita. São mudanças que constituem e fortalecem a ideia de que a língua é mutável e agregadora de novas tendências (orais, escritas, simbólicas) que ajudam no seu próprio processo de evolução. Vários são os aspectos que diferenciam um jeito de falar de determinadas regiões de um mesmo país. Estes aspectos podem ser sociais, culturais, políticos e dialetais (lê-se também como linguísticos). Segundo o Cagliari (1996) podemos entender como dialeto, a modalidade de uma língua caracterizada por determinadas peculiaridades fonéticas, gramaticais ou regionais.

O Brasil teve uma forte e heterogênea força no processo de constituição de sua língua. Além da participação ativa de falantes do português europeu que por décadas colonizou nosso país, tivemos também a contribuição dos indígenas que aqui já estavam. Participaram também nesta formação, os africanos que aqui estiveram como escravos, em suas moradias, quilombos, prisões, formaram comunidades que enriqueceram a língua portuguesa. Além destes, espanhóis, holandeses, franceses, italianos, alemães, árabes, asiáticos, ingleses, dentre outros, formaram comunidades linguísticas independentes no Brasil nos mais diferentes estados de todas as regiões do país.

Por que deste post?
A imagem de que fazemos parte do estado que mais bem fala o português no Brasil ainda é forte, principalmente para as pessoas de fora do Maranhão. Lembro de um professor que tive, ministrava fonética e fonologia, é gaúcho, nos falou que viera ao Maranhão justamente entender o porquê deste título. Com dois anos morando na ilha e pesquisando em alguns interiores, não conseguiu verficar e comprovar a coroação que nos foi dada. A única explicação para isso de termos o português mais bem falado do Brasil, se dá pelo fato de nós maranhenses, supostamente empregarmos no ato da fala, a segunda pessoa do singular (tu) corretamente com o verbo. Exemplo:

tu falas - tu escreves - tu foste

Ontem, no episódio da série "As brasileiras", que tinha como capítulo, "A viúva do Maranhão", pôde-se perceber a ratificação deste "mérito" dos maranhenses. Até de forma exagerada eu diria. Agora, será mesmo que o que foi mostrado pela série faz parte da identidade do maranhense? Duvido muito!
Por quê? Primeiro porque tenho 22 anos, e nesta minha trajetória de vida nunca pude perceber alguém que empregasse o pronome com o verbo adequado normativamente. Na verdade, apenas uma pessoa, uma amiga de ensino médio, achava lindo! Aí questionam: "depende da classe com que você conviveu". E digo, convivi com todas, das menos favorecidas até os famosos filhinhos de papai. Não vi isso no bairro que eu moro, nas minhas escolas de ensino fundamental e médio, na faculdade (privada, aliás), nas escolas onde trabalho, com meus colegas de profissão, e nem nos interiores que já conheci. Nem meus professores da faculdade ou das outras instituições.

Segundo, me apego ao estudo científico. O professor Marcos Bagno, em seu livro "Preconceito Linguístico. O que é, como se faz" (2002), enumera 8 mitos da nossa língua. No Mito nº 5 – O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão, diz ser este um mito sem nenhuma fundamentação científica, uma vez que nenhuma variedade, nacional, regional ou local seja intrinsecamente " melhor" , " mais pura" , " mais bonita" , "mais correta" do que outra.

O capítulo foi muito engraçado e muito bem produzido. Aliás, parabenizo a produção por valorizar o que temos de bonito na cidade. O único deslize foi nisso, nesse exagero linguístico que foi mostrado, se houve uma orientação para isso, foi muito ruim, se não, que procurem buscar na próxima vez. Se houver uma próxima vez. Abraços

Obs: Se você não viu o capítulo, eis o link abaixo da primeira parte, depois é só clicar nas outras partes.

REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo – SP, Edições Loyola, 2002, 18 ed.
CAGLIARI, Luiz. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione, 1996.

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